segunda-feira, 28 de março de 2016

A Indesejada das gentes





Dias Gomes disse uma vez que Deus era um ótimo dramaturgo, mas um pouco repetitivo, porque todas as suas histórias tinham o mesmo final.

Certa feita estava no parquinho quando uma amiga, que também tinha um filho em idade de cair do escorrega e acreditar que o sobe e desce da vida é apenas um movimento da gangorra, apareceu. Ela vinha com aquele saco plástico da Lojas Americanas que qualquer carioca reconhece a distância. Sentou ao meu lado e na lata soltou: “Sabe o que tem aqui dentro da sacola das Americanas”? Nessa época, não tão remota, não havia crematório no Rio e o serviço precisava ser feito em São Paulo. Quando a urna chegou ela foi buscar as cinzas e com receio do carro ser furtado com “papai dentro” a moça optou por trazê-lo disfarçado para pracinha.

Meu avô Roberto era um homem devoto a tradição. Em domingos de sol era obrigatório o mergulho na praia de Ipanema. Ele rogava para ‘passar dessa para melhor’ em um domingo ensolarado, porque se ele não ia poder ir à praia naquele dia, desejava que mais ninguém fosse.

Fecho com Hebe Camargo e adoraria plagiar na minha lápide sua frase: “Não tenho medo de morrer, tenho peninha”. Já minha prima Miriam e outros desafortunados insones provavelmente vão copiar o epitáfio do acadêmico Humberto de Campos, que ficou famoso como nome de rua no Leblon: “E quem por aqui se afoite / Não faça barulho enorme / Pois essa é a primeira noite / Que Humberto de Campos dorme”. E por falar em acadêmicos, dia desses uma moça que visitava a Academia Brasileira de Letras perguntou se os escritores da Casa eram imortais desde o momento que ingressavam na ABL ou só depois que morriam.




quarta-feira, 23 de março de 2016

Espelho, espelho meu

No início dos anos 90 o falecido Jornal do Brasil publicava a coluna Perfil do Consumidor. O entrevistado, sempre uma personalidade, tornava públicos seus hábitos. Quando perguntaram a Tim Maia seu vício, ele na lata respondeu “Vicio? Punheta”! Do humorista Bussunda podíamos esperar o inesperado. A torcida do Flamengo (e por que não a do Fluminense, Vasco e Botafogo) vibrou com a memorável resposta a indagação “lugar mais estranho onde já fez amor: São Paulo". A bola entrou onde a coruja faz o ninho. Nelson Rodrigues, outro craque tricolor, já tinha sido cruel com “a pior forma de solidão é a companhia de um paulista”.

Fernando Pessoa, com sua esquizofrenia literária, deve ser o pai da construção da identidade contemporânea. Nos dias de hoje não basta o RG, quem não tem um perfil virtual não existe de fato. Dolores, tadinha, andou arrastando um caminhão por um rapaz por conta da foto dele no messager. Não que ele fosse um Marlon Brando, George Clooney ou James Dean, ou ao menos desse pelota a ela, mas na foto ele apoiava a cabeça na mão e a olhava de frente sempre tão atento que ela se confundiu. Tudo bem, é desculpável, igual gente que dá boa noite para o William Bonner quando termina o Jornal Nacional.

A artista japonesa Yayou Kusama se diz diagnosticada como compulsiva obsessiva. O barato dela são as bolinhas, o nosso lance é a exposição dos muitos e incríveis “eus”.  Facebook, Instagram, Linkedin, Parperfeito, Twitter... Deve haver restado pelo menos um cidadão sensato que esteja saudoso de quando bastava dirigir-se ao DETRAN, tirar uma foto e carimbar o dedão. Mas confesso que fiquei com uma invejinha de G.B. que postou no Tinder a foto de uma empada e lá na meiuca do recheio estava o rosto dela verde, e o texto “Eu posso ser a azeitona da sua empada”. E a ideia desdobrou-se em “Sou o ovo frito da sua marmita”.

No quesito “abalou Bangu” ganharam coraçãozinho um paciente de Suellen chamado de “gás nobre”, porque o nome dele é Hélio, e o motorista da instituição que só anda na elegância das marcas, o “Ostentação”. 


terça-feira, 22 de março de 2016

É tudo culpa da Física

Minha avó, uma das mulheres mais chiques que conheci, era do tempo em que se usavam camisas de seda e mocassins, e suas unhas estavam sempre impecavelmente pintadas de vermelho escarlate. Filha de um pianista russo, nasceu em São Paulo e lá teria vivido para sempre se um namorado seu não tivesse tido a descortês ideia de batizar no prado uma égua de corrida com seu nome, Riva.

Ofendida, D. Riva, no Rio passando férias, conheceu Dr. Bob um genuíno malandro carioca, nascido em Nova Iorque, que andava de cinto e sapato brancos. Roberto apresentava um diploma de dentista e um frustrado currículo de pugilista, pois fora forçado a abandonar o ringue na Lapa em virtude do nariz avantajado. Diziam que no dia que a Indesejada das Gentes o visitasse, seu caixão não fecharia a tampa por conta da monumental napa.

Roberto – o narigudo vinha de uma dinastia provida de um currículo familiar invejável. Minha bisavó, Dedé, passava os dias lendo e fumando e, de certo, não foi uma das mães mais amorosas de que se tem notícia. Morreu com noventa e uns quebrados. Era uma das primeiras da fila para subir, quando feneceu a irmã, última parenta de sua geração. Dr. Bob foi, cheio de cuidados, comunicar-lhe o óbito. Dedé apenas interrompeu a leitura por alguns segundos e, respondeu: “antes ela do que eu”.

A irmã de Dr. Bob era uma senhorinha bem magrinha, que vivia de casaquinho no verão de 40º do Rio, falava baixinho e tingia os cabelos grisalhos de lilás, moda entre as senhorinhas de então, que também podiam optar pela coloração azul.  Tia Anita era um bibelot, pequena e delicada, mas tinha em seu histórico o falecido tio Kid com quem contraíra núpcias.

Para início de conversa Kid (garoto) era uma alcunha de lutador de boxe. Numa busca rápida na internet encontrei uns poucos apelidos fofos para os esportistas da modalidade, como Gentleman, Mantequilla, Príncipe e Kid Chocolate (seguida da explicação que ele não era nenhum bombom). E uma lista interminável de nomes como: Six Heads, The Executioner, Hands of Stone, Touch of Sleep, Navalha, El Terrible, Ferocious, Lights Out, Pac-Man, The Pazmanian Devil, TNT e The Cinderella Man. Titio Kid não era, digamos, um rapaz fino. O meliante quando não estava de luvas de pugilista, tomava conta de um ferro-velho, do qual era proprietário.

Há um conhecido princípio da alquimia que diz que o semelhante dissolve o semelhante (similia similibus solvuntur). É só botar uma colher de açúcar em um copo d´água para conferir. Os opostos é que se atraem é o que diz minha árvore genealógica. Talvez a regra das partículas de mesmo sinal se repelirem e as de sinais opostos se atraírem sirva para além de sabermos como encaixar as pilhas no controle remoto da TV. Talvez a Física seja mesmo uma ciência exata quando trata de eletricidade e magnetismo e os profissionais da área estão marcando touca, porque bem podiam estar ganhando uma grana extra com mapa astral.




quinta-feira, 17 de março de 2016

A chana da minha avó

O autor do choro Carinhoso veio ao mundo no bairro da Piedade, subúrbio carioca, com a responsabilidade de carregar o nome do pai, Alfredo da Rocha Vianna Filho, mas de pronto abandonou o nome da certidão. A avó Ediwirges apelidou-o de "Pizindin", que era como chamavam os pequenos bons lá na África. Já para os camaradas da rua no Catumbi, era o “Bexiguinha”, por causa das marcas deixadas em seu rosto pela varíola. Juntaram-se os dois apelidos, e nasceu Pixinguinha.

Outro menino comportado, Zé Quietinho ou Zé Quieto, compôs “A voz do morro” e virou Zé Kéti. A letra K era vista como de boa sorte para a carreira, haja visto os estadistas Kubitscheck, Krushev e Kennedy (esse não teve tanta sorte assim, mas...)

Espera-se que aquele que batiza um filho dê a ele um bom nome. O irmão da MM, por exemplo, apelidou o cão vira-lata de Jacaqueroaga para prestar uma homenagem tupiniquim ao escritor norte-americano Jack Kerouac. Como o pai dessa família – o avô do cão – não sabia dirigir, Jacaqueroaga não viajava doidão pelas estradas americanas, apenas passeava pela Rui Barbosa, de certo balançando o rabo. 

Existem pais ternos que, cheios de amor no coração, escolhem um nome lindo para o seu bebezinho. Aí a vida dá uma cambalhota e o nome que era amoroso, elogioso ou mesmo bíblico, de uma hora para outra, ganha outra conotação. Foi assim com a Chana.

Chana, em hebraico, significa "graciosa, misericordiosa". Na Torá, Hannah, esposa de Elcanã, sofria por não conseguir dar ao marido uma criança, enquanto a outra esposa do sujeito tinha sete filhos. Angustiada por sua esterilidade, rogou a D'us que a abençoasse. Deu à luz um menino, a quem chamou Samuel, cujo significado é "Eu o pedi (tomei emprestado) a D'us".

Como vocês podem ver, Chana era um lindo nome hebreu até, sabem os céus por que motivo, tornar-se, aqui onde caetés comem bispos, mais um dos muitos apelidos da perereca. Aliás, órgãos genitais devem ser os campeões de apelidos, seguidos a quilômetros de distância pelo demo e pela morte. Perseguida, periquita, capô de fusca, chiquitita... Desde que a serpente apareceu na história, o povo gostou dessa coisa de se conhecer biblicamente e de falar sobre o assunto.

Acontece que, um dia desses, Júlia estava na escola quando o celular tocou. Era a avó. Os colegas de classe, que provavelmente não tinham nada de mais interessante para fazer, passaram a acompanhar o diálogo: “Vó, você está no hospital”? Silêncio na sala – o assunto era sério. Do outro lado da linha (apesar de celular nem ter fio, mas assim é mais poético), a avó explicava que estava tudo bem e que só tinha ido visitar uma amiga. Do lado de cá da linha, Júlia apenas repete o nome da amiga: “Ah, a Chana”. Pronto, foi assim que se espalhou a notícia de que a chana da avó da Júlia estava doente.


segunda-feira, 14 de março de 2016

Nem tudo que reluz é ouro

O marido de Jéssica trabalha em Jacarepaguá, e eles moram em Copacabana. Quem vive na Zona Sul e trabalha na Barra da Tijuca sabe o que isso significa. Sou totalmente a favor de rever a geografia da cidade e emancipar esse bairro, torná-lo outro município. Não sou nenhum Barão do Rio Branco, tampouco tenho a pretensão de redesenhar o mapa do país e (re)demarcar o território nacional, mas que a Barra podia ser anexada a Miami e nos deixar “fora dessa”, ah podia!

Bem, divagações cartográficas a parte, voltemos à história da Jéssica. Ontem ela deu carona à estagiária, que encontrou em seu banco uma garrafa PET de Coca-Cola de um litro contendo, no lugar do refrigerante, um refresco amarelado. A jovem universitária, tímida, perguntou onde era para guardar o suquinho, ao que Jéssica respondeu: não deixe tombar e vazar, porque esse é o banheiro portátil do meu marido! Sem comentários.

Uma boa história merece uma segunda como resposta. O fato é que Janete começou a desconfiar de que o airbag do períneo não estava lá essa Brastemp quando foi mergulhar um dia desses. O truque para evitar a dor de ouvido era a descompressão. Mecânica simples: fechar o nariz e tentar soltar o ar, que acaba não saindo pela narina e desentope o ouvido. O processo, para surtir efeito, precisa ser repetido a cada metro de profundidade. Afunda e assopra. Afunda e assopra. Mas para Janete o resultado da equação gerou um efeito colateral: era soprar de nariz fechado para desentupir o nariz e deixar escapulir um xixizinho, que ficava ali armazenado na roupa de mergulho. E, ao contrário do sistema feudal – com muita terra concentrada –, o líquido ia se espalhando democraticamente por todo o corpo. O lado positivo é que a moça ganhou, em águas geladas, uma roupa térmica organicamente aquecida.

Para terminar o ciclo de três histórias, JC trouxe memórias da infância. O pai levantava sempre o assento da privada, mas nunca abaixava. E o que acontecia em uma casa com uma mulher adulta e dois projetos femininos? Resposta fácil, valendo apenas meio ponto. No meio da noite, era comum a pescaria de meninas que caíam dentro da "casinha".

Era para ser o fim desse assunto. Mas toda criança sabe que cocô, xixi e bunda são temas pra lá de interessantes. Então, a pedidos, acrescento uma curiosidade instrutiva que não podia passar batida.


JoutJout Prazer nos ensinou, no Youtube, que não são as pererecas que estão ficando sem mira, a culpa é toda das moças do Pello Menos. Os pelinhos funcionam como um funil. Depilar toda a bacurinha pode ser arriscado naqueles momentos em que você precisa fazer uso das privadas públicas e não pode sentar. O equilíbrio instável pede aquele tufinho para assegurar que tudo vai pingar no alvo. Ah, Claudia Ohana tinha lá seus motivos para exibir-se peluda na Playboy, em 1985. Aposto que a profusão de pelos pubianos deve ter mais utilidades do que desconfiamos e inadvertidamente nos depilamos à brasileira.





sexta-feira, 11 de março de 2016

Arquitetura Darwin

Lázara, a agente de viagens do Cerrado, nos enviou uma mensagem pelo celular que só lemos ao posar: “Bleno vai buscá-las”. Bleno ou Breno - essa era a questão! Todo mundo digita errado no celular, mas o R tá a quilômetros do L no teclado! Era Bleno, mesmo! Ele nos pegou em um carrinho de passeio. A noiva veio junto, muito provavelmente para garantir que nenhuma das cariocas iria roubar o homem dela. É justo ser precavida nos tempos de hoje. Assim, depois de cinco horas de voo fomos, as três que temos ombros largos, compactadas no nosso transfer de Palmas para Ponte Alta. E é chão. 

Chegamos às duas da madrugada, horário que faz de qualquer cama um paraíso. Enfeitando o lençol, que era econômico no número de fios e também na largura e comprimento, um regalo de cortesia. Adoro brindes, falo logo. Tenho essa mania, como diria JC “de pobre” de guardar shampoos, sabonetes e hidratantes de hotéis. Uma vez trouxe uns dez vidrinhos de geleia (ou melhor uns quinze ou seriam vinte?) de uma viagem a Paris. Sabem o que fiz com eles? Guardei todos no armário da dispensa e fiquei ali colecionando-os. Ai Marlene, nossa cozinheira (também conhecida como a “rainha do cangaço” pela delicadeza) quando tinha aquela larica de doce, pegava um daqueles miniaturas de confiture Bonne Maman e comia com o dedo. Muito chique! 

Mas mesmo para uma colecionadora compulsiva como eu, os brindes da pousada eram o fim! Ganhariam o top ten na categoria mixuruca. O kit surreal, sem assinatura de Salvador Dalí, era composto por: um carpaccio de sabonete, que pela espessura podia ser confundido com uma hóstia consagrada, e um caramelo! Os sabonetes por lá ficaram, mas a minha caçula traçou as balas. 

Como não tinha armário, Júlia decidiu guardar as roupas nas prateleiras da geladeira. O que não foi uma boa ideia, porque dias depois a Isabel decidiu guardar mortadela no mesmo local... 

Quando era adolescente, com amigos durangos kids, tive a oportunidade de descobrir que o mundo da hotelaria não se resumia a classificação das cinco estrelas. Existe um alfabeto inteiro abaixo de uma estrela. Um conhecido morou em um hotel que era classificado com a letra D... e vou poupá-los da descrição do quarto. 

Onde secar as toalhas? Certas questões simples do dia a dia, algumas vezes se tornam complexas, quando a arquitetura não está a nosso favor. Estando as paredes da nossa pousada um pouco úmidas, os ganchinhos do banheiro se soltavam com o peso das toalhas.  Onde secar as roupas molhadas? Lázara, a agente de viagens do Cerrado, solucionou a questão de forma digamos original, dando a ideia que pendurássemos nossas coisas no fio da internet. E, verdade seja dita, a internet nunca caía!