segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

No coração do Brasil

Um daqueles dias em que minha adolescente de estimação estava me enlouquecendo, passei umas nove mensagens no WhatsApp pedindo um help à psicanalista dela. Recebi uma resposta lacônica: “Negocie com ela”. Digamos que M – a psicanalista – não é lá muito prolixa... Aí me lembrei da mãe de uma amiga de JC que tentava ser moderninha e só passava mensagens com emojis, aqueles desenhos cafonas do aplicativo do celular. A filha gastava horas, com a ajuda dos universitários, tentando decifrar o enigma materno, que nem a Esfinge de Tebas teria proposto. Então, encarei a resposta de M, desta forma: "Decifra-me ou devoro-te!".

Nós, judeus, temos um humor um tanto peculiar, muito apreciado pelos fãs de Woody Allen e Groucho Marx... Em outubro, minha mãe – no caso a avó judia da história – sugeriu um programa incrível de “presente” para a neta e a levou para Inhotim. Como minha adolescente de plantão não gosta de arte contemporânea, não gosta de calor e não gosta de andar, ela simplesmente, para nossa surpresa: odiou!

Então, quando as férias de verão chegaram, antes de presenteá-la com outro elefante branco, o “negocie com ela” ecoou em meus ouvidos. Como Édipo às portas de Tebas, eu teria que resolver o quebra-cabeça ou seria devorada. E não era assim tão difícil, o problema é que a resposta pode estar ali, na nossa fuça, e a gente não enxergar. Negociar era o primeiro passo. Às vezes, em se tratando de batalhas e guerras, nós, mães, podemos deixar de ser tão Wladimir Putin para ser mais Mujica...

Nessa barganha, de cara, descartamos as praias. Minha twenty-four-seven teenager não gosta de areia, porque afunda; não gosta de mar, porque a água é salgada e não gosta de calor, porque é calor. São três “nãos” em um só cenário... Deleta essa opção. Acabamos chegando à conclusão de que ela queria uma praia de rio, com água doce, mas que não precisasse andar muito – ou seja, nada de trilhas. Abrimos o mapa e encontramos nosso destino: o Jalapão!

Pergunta valendo 10 pontos: em que estado fica o Jalapão? Vou logo explanar que vários amigos do Face confessaram depois que achavam que eu estava na Ásia. Afeganistão, Azerbaijão, Cazaquistão, Paquistão, Quirguistão, Tajidquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e Jalapão! Faz todo sentido! Sufixos são elementos isoladamente insignificantes que, acrescentados a um radical, formam uma nova palavra. Sua principal característica é a mudança de classe gramatical que geralmente opera. Nesse caso específico, o singelo “ão” conseguiu uma façanha extraordinária: deslocar uma área de quase 34 mil km² para o outro lado do planeta em um piscar de olhos.

Mas não respondi à pergunta. Em que estado do Brasil fica o parque do Jalapão? Gláucia – que se expressa em um português corretíssimo –, foi uma das poucas pessoas a acertar a questão: no Tocantins. Eu, enquanto isso, nem tinha conhecimento de que o estado de Goiás havia se dividido. Mas minha desculpa é boa porque esse racha foi em 1988, quando eu já não sentava nos bancos escolares e, portanto, não estava muito atenta à geografia que acabara de pintar no azul da nossa bandeira a vigésima sexta estrelinha. É preciso confessar, abençoamos o dia em que finalmente nos libertamos do Ensino Médio, e a infeliz tabela periódica, a ordem dos planetas no sistema solar, os afluentes do Rio Amazonas, assim como os estados e suas respectivas capitais não nos afligem mais. O pior é que tá tão bem decorado que não consigo deletar da memória ram o macete do menu completo que minha velha trouxe “Sopa, uva, nozes e pão”. E Plutão faz essa sem-vergonhice de deixar de ser planeta e tira toda a sustância do meu jantar. Lá se foi o carboidrato. Uma dieta sem glúten.

Por sorte, ninguém quer ir para o Centro-Oeste na estação das chuvas, e as passagens aéreas estavam uma pechincha: R$400,00 por pessoa! Ida e volta, porque ninguém quer ficar lá... D. Ana Maria, a avó, conhecia Lazara, a agente de turismo que é a cara do cerrado, e em uma noite tudo estava resolvido. Ou quase tudo, porque nesse verão a JC – esquadrão da moda – informou-me que boné era o “ó” e que o "certo" são as viseiras, mas nós só tínhamos uma em casa. Entretanto, JC não tinha expertise na passarela do Brasil central, como logo testemunharíamos...

Nosso voo fazia escala em Brasília. Quando todos os passageiros que iam para Palmas, capital do Jalapão, sentaram em suas devidas poltronas, percebi que a estética do coração do Brasil era um pouco distinta. Onze horas da noite, dentro do avião, sem nenhuma chance de um ínfimo raio de sol, metade dos passageiros estava de boné, e nenhunzinho, de viseira! Avisei às meninas que as enquadraria na moda local assim que chegássemos em terra firme e adquiriria um boné pra cada uma com dizeres obrigatórios dos recuerdos de férias “I Love Jalapão”.




sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Filhos... Filhos? Melhor não tê-los! Mas, se não os temos, como sabê-lo?

Ontem, Patricia e a filha XX tiveram um embate. Não posso citar nome de menores; embora o Governo tenha votado pela maioridade penal, sou contra. XX cismou que só tinha um short que lhe caía bem, mas justamente esse estava de molho no balde. Ao que parece, o estado líquido da veste não era um dado que fizesse a jovem desistir do figurino. A mãe avisou que a infeliz não ia sair vestida de H2O. Como toda adolescente, XX é bocuda e retrucou na lata: tou de Carefree. No toma lá, dá cá, a progenitora também não saía perdendo, tinha feito curso de Direito e era muito boa em argumentação, de modo que, para defender seu ponto de vista, entrou na área da Biologia. Esclareceu que estava ciente de que a perereca era um ser anfíbio, mas apostava cinco contra um que havia grandes chances de a dita-cuja contrair um resfriado. Um absorvente fininho de uso diário, de certo, era proteção insuficiente.

Ocorre que, em algumas partidas, a contagem de pontos não é razoável. Por exemplo, em um jogo de tênis, o primeiro ponto é o 15, o segundo ponto: 30. Até aqui tudo ok, estamos nos múltiplos de 15. E aí vem o terceiro ponto: 40? Que nexo tem? Eram analfabetos matemáticos os inventores do jogo? E o quarto ponto, o que fecha o game, que nem número tem? Por isso que JC sempre diz que só entende competições em que ganha quem chega primeiro. E naquele ringue onde duelavam mãe e filha, ninguém chegava a lugar algum.

Porém, para passar pela porta, a “de menor” precisava ceder um pouco. Analisando friamente a situação, XX recuou um passo e foi, vestida com o tal short aquático, secar os países baixos. Como? Com o secador. E antes que XX testasse como segunda opção a sanduicheira, Patricia entregou os pontos e deixou a filha e o short irem para night.

Contam que uma vez, ao sair do teatro, perguntaram à escritora de folhetins Janete Clair o que ela havia achado da peça. A grande autora de novelas da TV brasileira, muito prática, respondeu: que pena gastar um enredo tão bom em apenas duas horas! Pois a vida imita a arte, ou melhor, as telenovelas. A história tinha mais um capítulo. E no dia seguinte, não foi preciso nem esperar o horário nobre... antes do almoço, a mãe encontrou pedaços de cigarro no bolso do tal short.

Patricia é uma mulher democrática, ela defende que cada um tem direito a sua opção alimentar, política, sexual, religiosa, literária, sexual, e futebolística. Mas fumar não é uma escolha, é uma burrice! Assim, justificadamente iracunda, digitou uma mensagem para XX, que estava na escola, comunicando que a jovem estava de castigo. A criatura respondeu por WhatsApp que o cigarro era da amiga (que não tinha bolso) e que nem deu para fumar, porque estragou no short molhado...




quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Cão chupando manga

Tive que operar o meu cachorro salsicha. Descobri que dentro da barriga do "Cruzcredinho", que estava gigante, tinha um caroço de manga. O caroço já estava fazendo aniversário, porque as mangueiras do Parque Guinle deram frutos até fevereiro, como estamos em julho... Lá se foram o verão e uns quatro meses. Divulguei que, infelizmente, estava indo operar um dos últimos machos-espada do pedaço. Pois é, a manga não era Carlotinha! Na noite anterior, CA, uma amiga, falou que não ia trazer a cão-guia dela aqui, porque o pug Zé procurando uma namorada (e ela não quer filhotes sem focinho) e ela (também) não quer que o Quincas plante um pomar na Golden retriever dela. Sogra exigente que é, vai acabar com a filha encalhada, porque, como anuncia uma amiga do mercado financeiro: o mercado não está comprador. Eu, por exemplo, já estou economizando para o dote das minhas duas filhas. Quem poupa tem... genro!

Aí cheguei em casa com o Joacão (outro apelido do Dachshund) no colo e o caroço de manga – a prova do crime – na mão. E... surpresa! Um cano da vizinha do andar de cima tinha rompido e, no nosso corredor, jorrava uma cachoeira. Olha que coisa boa; estar em plena cidade e usufruir das delícias da vida no campo! Só que não!

O porteiro, que costuma ser um sinônimo  de “faz-tudo”, mas no meu prédio é um “faz-nada”, não tomava uma providência. Eu suo a camisa para não conjugar o verbo “irritar” na voz reflexiva. Abre parêntese, inclusive sou uma mulher que deveria valer ouro, porque vim ao mundo sem TPM – fecha parêntese. Todavia, fui obrigada a sair do “modo avião” a fim de que o dito-cujo zelador, que por nada zela, levantasse o traseiro de seu posto – e supostamente tentasse identificar o registro da coluna d´água. Mas ele estava de braços cruzados (bem vi na TV que mostrava a portaria), provavelmente me xingando, o que não posso jurar, uma vez que as câmeras ainda não têm som. Quer dizer, não dá para trocar de roupa no elevador – vai que o porteiro está atento –, mas super rola de soltar um pum (com cara de paisagem, para não se denunciar), fazer confidências ou pronunciar palavras de baixo calão, porque o cinema é mudo no térreo.

Quem diria que nosso edifício Dalton, com ares modernistas, construído na década de 1960 pelo escritório de arquitetura dos Irmãos MMM Roberto, já é parte do futuro profetizado pelo romance Admirável Mundo Novo, com câmeras espalhadas por todos os cantos que tudo registram, mas ainda tem um elevador social que funciona dia sim, dia não. 

Depois voltei ao meliante, que havia ingerido o objeto agora identificado e confirmado. A batalha do dia ainda estava em curso, havia mais tarefas a serem vencidas. Com um certo malabarismo, optei por vestir o Quim com uma fralda de bebê – fazendo um buraco para o rabo –, porque fralda canina não é vendida na esquina. Tanta Drogaria Pacheco por aí (acho até que valendo mais comprar ações da farmácia do que da Petrobras), e nenhum visionário ainda pensou em abrir uma versão Pacheco´s Pet 24 horas... Fica a dica!

Bem, nesse dia que não terminava, ainda assisti, na sala democrática, à epopeia do NETFLIX. Em outras palavras, já inventaram controle remoto, wi-fi que pega até na banheira, programas que baixam filmes nos tablets, e amanhã vai dar para ver filmes até no relógio, mas as brigas pelo sofá continuam. Quem tem uma família em que não se escuta a frase “Pedi primeiro!”? Esse é um prazer dos celibatários convictos que ouviram a voz da razão e não só não casaram, como não procriaram. Mas, sinceramente, vou entregar os pontos e entrar nesse mérito em outro momento – ah, tou sempre adiando as coisas.

Sabe aquelas horas em que você não sabe se hasteia a bandeira branca ou se tem um acesso de riso? Até porque chorar não adianta... Bem... C'est la vie, que nem sempre é La vie en rose.