terça-feira, 24 de novembro de 2015

O Deus que habita em mim, saúda o Deus que habita em você.

JC, judia, tem um pretendente católico. O rapaz leva um terço no carro. Quando soube disso, logo indaguei se o santo rosário ficava pendurado no retrovisor, o que esteticamente vocês sabem... Mas, graças a Deus, o artigo religioso fica guardado no porta-luvas, esse compartimento do veículo que armazena os mais variados itens relevantes aos motoristas precavidos ou esquecidos pelos condutores de outro naipe, como eu. Aliás, outro dia, do nosso porta-luvas, que em muito se assemelha a um “achados e perdidos”, brotou um quipá. O solidéu é usado pelos judeus em ocasiões solenes e de devoção para lembrar que Deus está sempre nos observando. Como o quipá foi parar ali ao lado do CD da Mart'nália? Essa é a pergunta que deveríamos fazer ao rabino de uma congregação mais liberal. Talvez Deus quisesse escutar “Vou arrancar sua saia e pôr no meu cabide só pra pendurar / Quero ver se você tem atitude e se vai encarar”.

Religião nunca foi uma questão levada a sério na minha família. Encaramos o judaísmo mais como uma questão cultural do que religiosa. O primeiro jantar oferecido pelos meus pais recém-casados aos amigos da comunidade tinha como menu:  casquinha de siri (os siris foram comprados vivos na Barra e limpos um a um), lombinho de porco e musse de chocolate. Os convidados eram judeus ortodoxos, clientes do escritório de advocacia do meu pai, que não achou relevante mencionar à jovem esposa a religiosidade dos convivas. Nem o cafezinho eles tomaram! E aposto que nessa noite meu pai perdeu uma boa fatia do mercado. Já minha mãe ganhou alguns quilos extras dando conta sozinha dos pratos salgados e da travessa de sobremesa.

Por isso, estranhamos quando JC nos comunicou que faria bat mitzvá. Ritos de passagem que marcam o fim da infância e a passagem para a vida adulta são comuns em várias culturas. No judaísmo, ao completar 13 anos, o jovem atinge a maioridade religiosa e, pela primeira vez, é chamado a ler a Torá. A palavra mitzvá significa mandamento que deve ser cumprido e início de uma “conexão” com o Todo-Poderoso. A festa merece destaque igual ao dos casamentos no calendário familiar, mas normalmente é reservada aos descentes masculinos na árvore genealógica. Pois é, o machismo está presente nas três grandes religiões monoteístas. Mas, se assim foi posto, não é obrigatório que se perpetue.

Suely trabalha com psicóticos. Tem uma paciente que acha que é Deus e só aceita assim ser chamada. Muitas vezes, ela liga para o posto de atendimento e diz: “Advinha quem está falando?”. Quem erra a resposta é claramente um infiel, porque não está ouvindo a voz divina. E, assim como na vida real, Deus raramente aparece... mas telefona com frequência. Outro dia, Deus estava com um problema sério, vestia saia. “Onde já se viu Deus de saia?!” – questionou. Suely, do lado de cá da linha, tentou ajudá-la, sugerindo que procurasse outra opção em seu armário. Mas parece que era o único figurino disponível. Então Suely tranquilizou-a: “Assim é melhor, não é, porque reforça o disfarce?”.  As duas concordaram, e Deus ficou feliz com sua saia de algodão lá em Irajá.

No candomblé, não há diferença entre o sacerdócio feminino e o masculino. Mãe de santo manda tanto quanto pai de santo. E curiosamente a casa mais antiga de candomblé, a Casa Branca do Engenho Velho, fundada no século XIX, desde seu início só aceita iniciar mulheres. O candomblé surge como a primeira instituição feminista no Brasil. Cabe uma pesquisa do espiritismo, hinduísmo, budismo etc. No meu humilde ponto de vista, acho que Caetano tem razão: “Deus é menino e menina”...

Voltando à equação JC / bat mitzvá e nossa estranha família, tentamos, a princípio, dissuadi-la. Se ela queria uma festa, a gente podia fazer uma, não necessário o lance da sinagoga. Mas não, JC tinha decidido que queria afirmar sua religião. O pai foi batizado, eu nasci do ventre de mãe judia (logo, sou judia), mas festejamos o Rosh Hashaná, o Yom Kippur e durante muitos anos, no Natal, contratávamos um Papai-Noel que vinha de táxi de Niterói, porque não íamos perder essa festa. Só que uma vez substituíram o Bom Velhinho, e o novato, não conhecendo o protocolo da maison, começou sua fala dizendo que estávamos ali reunidos para comemorar o nascimento de Jesus. Foi necessária a rápida intervenção de um tio que cochichou em seu ouvido: texto errado, amigo.

Então, se JC queria ter aulas de hebraico, conversar com o rabino e ler a Torá, ok. “Roma locuta, causa finita”, Roma já falou, fim de papo! E verdade seja dita, o avô materno, que só tem netas, ficou bem contente. E diferente do personagem principal do romance Buddenbrooks, de Thomas Mann, que decide que é o último de sua linhagem, JC decidiu dar continuidade à tradição dos Chindlers. Ela seguiu à risca o protocolo, mas a gente não ia conseguir tirar 10 em religião.

Eu estou sempre naquele tempo verbal “ainda não cheguei lá” e, assim, todos os preparativos são feitos nos últimos minutos do segundo tempo. Faltando apenas três semanas para a festa, comecei a produção dos convites. Achei que ficava sofisticado uma citação da Bíblia em hebraico com tradução em português. Alguém da sinagoga sugeriu este trecho “Bendito seja nosso D´S Rei do universo que nos fez viver, que nos fez existir e que nos fez chegar a esse momento”. Mas aí os problemas começaram. Nossos computadores não tinham teclado com as letras em hebraico e ainda não havia sido inventado o Google translate. Encarecidamente solicitamos à secretária do rabino que o trecho fosse traduzido e enviado por e-mail. Os funcionários do templo alertaram que não daria certo, porque não tínhamos o programa para essa língua, e o texto perderia o formato original. Foi preciso enviar um portador à sinagoga para que ele nos trouxesse um disquete. Abrimos o texto no programa de imagem, e eu, que apenas conheço as letras e sei que hebraico se escreve ao contrário, ou seja, da direita para a esquerda, confirmei para o designer que estava tudo certo, de modo que os convites foram impressos e distribuídos. Como vocês verão, me saí uma grande revisora...

Na véspera da cerimônia, como era de bom tom, meus pais foram entregar em mãos um convite para o rabino, que ao lê-lo arregalou de tal forma os dois olhos que estes ficaram mais salientes do que os do ator Marty Feldman. Minha mãe saiu de fininho da sala e me ligou correndo, perguntando quem tinha me passado o texto. Nós, que não valemos nada, já começamos a rir, imaginando que a secretária havia trocado os disquetes e nos enviado uma nota fúnebre convidando para a reza de algum falecido Jacob. Ou quem sabe o anúncio de um Brit Milá (circuncisão), esse, sim, um evento religioso exclusivo dos meninos, por motivos óbvios. Infelizmente, em seu escritório, o rabino não compartilhava do mesmo senso de humor. Mesmo atarefado com os preparativos de sua prece, ele precisava descobrir o que havia acontecido. E não foi necessário contratar nenhum Sherlock Holmes para chegarmos ao veredito final: a culpa era toda do Corel; o texto não havia sido salvo como imagem, e o programa misturou todas as letras ao abrir o arquivo. Em suma, em nosso convite não estava escrito nada em hebraico. Adoramos! O que são as grandes celebrações sem boas histórias para contar no futuro?

Devo dizer que 60% dos nossos amigos são ateus, católicos, espíritas, flamenguistas, tricolores, vascaínos e uma minoria botafoguense. Dos 40% judeus, metade, familiares, e apenas 2%, alfabetizados em hebraico. Então ninguém reclamou. O único receio da minha mãe era Paulete, mas essa amiga 100% judia, graças ao Senhor um tanto quanto dispersa, apenas comentou “achei muito original o convite escrito em aramaico!”.

É no bar mitzvá que o jovem sobe, pela primeira vez, à Torá. Essa chamada recebe o nome de aliá (subida) e compreende a leitura, de um trecho do texto bíblico, iniciada e finalizada com uma benção. 

Já profetizava o filósofo alemão Nietzsche no conceito do Eterno Retorno. "E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência (...) A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!".Tudo já aconteceu e acontecerá de novo!

Voltamos ao primeiro jantar dos Chindlers... A parashá, o texto da Torá, que JC recebeu para ler era a respeito de comida kosher. Aposto que o trecho foi escolhido a dedo por Deus para enquadrar a nossa família. Kosher são alimentos que foram preparados de acordo com as leis bíblicas. Entre as carnes de animais terrestres, poderão ser kosher apenas as de ruminantes com casco totalmente fendido, como as carnes de boi e carneiro. O porco, embora tenha o casco fendido, não é ruminante, portanto, lombinho de porco nem pensar! Do mar, só os peixes de barbatanas e escamas, tais como sardinha, salmão, robalo e atum. Frutos do mar, como camarão e casquinha de siri, estão fora também! Então, no almoço que sucedeu à solenidade do bat mitzvá com o rabino convidado, não rolou linguiça no feijão!

                               

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Zoológico

Tenho duas filhas. Uma jogou os dados e andou cinco casas no tabuleiro, pulando olimpicamente esta fase negra, mais maligna que a peste da Europa: a adolescência. Mas ninguém ganha duas vezes na loteria. A caçula, por sua vez, parece um suco Tang – um concentrado teen que venho diluindo aos poucos, porque ninguém é de ferro. Um dia, no passado, quis ter quatro meninas. Mas, como me falta a razão, o destino foi bondoso e me poupou da multiplicação.

Também tenho um Dachshund batizado pelo ex-marido de Joaquim, que ganhou a opção dos prenomes: Quincas ou Joacão. Joaquim é uma homenagem ao grande Joaquim Maria Machado de Assis é claro. Duvido que o escritor acadêmico, tão solene como era, tenha ficado honrado com a lembrança. Mas esse não foi o único equívoco...  Cássio, o ex, não faz parte da categoria de seres humanos tarada, ou pelo menos com apreço, por animais domésticos. Já eu e suas filhas nascemos com pulgas no sangue. Por isso, a batalha para que um cachorro entrasse pela porta de casa foi árdua. Ao fim e ao cabo, ninguém venceu. Mas só chegaríamos a essa conclusão tarde demais.

O primeiro erro foi estético.  Adoro Boxers, Buldogues, Boston Terrier e Pugs, raças de cara amassada. Talvez no inconsciente, ache que justamente o focinho, a parte da anatomia que define os cães, não lhes caia bem.  E aí veio um Dachshund mais narigudo que o meu avô materno – e olhem que o vovô Beto tinha uma nareba de fazer a festa de qualquer caricaturista! Como ganhamos o cabo-de-guerra e conquistamos o direito de ter um cão, o ex determinou a raça.

O novo integrante da família, que veio habitar nossa maison com suas quatro patas e seu focinho pontudo, de cara mostrou-se uma opção pouco adequada para quem tinha uma filha pequena. Bassets não são nada tolerantes e não gostam de crianças. E, para piorar, bebê Beloca, a mais nova, tinha – e tem até hoje – uma forma única de acarinhar os animais. Ela os aperta em excesso, sendo igualmente recompensada. Dachshunds não são cães pequenos, como pensei, apenas têm patas curtas. Mas a mordedura é de tubarão. Assim, quando Joacão atacava, assistíamos a uma cena de filme de terror, em que o ketchup era sangue de verdade... Em dois anos, nossa caçula tomou quatro vacinas antirrábicas, isso porque a injeção tem validade de seis meses. Quando a dose estava para vencer, já íamos lembrando-a para que ficasse mais precavida, o que, é óbvio, não adiantava de nada. A enfermeira do posto médico, que devia ter um humor semelhante ao da nossa família, uma das vezes comentou: “Menina, tu é gostosa pra cachorro!”.

Quem é distraído e tem coração mole sempre pode ceder e acolher mais um membro na família. GD, minha filósofa de plantão, tem essa linda máxima: “O que é um punzinho para quem está todo cagado?”. Foi assim que abri a porta para mais um filho, um cão da raça Pug que atende pela alcunha de Zé. Quando Zé faz besteira, o nome ganha pompa: “Quem fez xixi aqui, Dr. José?”.

Pug Zé é "filho" da minha primogênita e do namorado Luís Roberto Graça Couto. Sua primeira infância foi passada em Botafogo, onde deveria ter vivido toda a sua vida. Mas ele é fruto de um relacionamento desfeito, como o de tantos outros jovens da geração que nasceu depois dos anos 1990 – e principalmente no século XXI –, quando sequer os aparelhos eletrônicos duram mais do que um ano, nem os lençóis resistem a qualidade “branco total” dos sabões em pó e os relacionamentos terminam por mensagens de texto.

Zé, como todos os Pugs, é enrugado (completamente avesso a estética do botox), ronca à vera (culpa do focinho achatado que provoca gracinhas do tipo “bateu de frente”), tem pelo macio e cheiro de Cheetos. Já seu “papai” Luís Roberto é um rapaz moreno, bonitão, com farta cabeleira negra, características que, unidas ao nome duplo com esse R sonoro de RRRRoberto, lhe renderiam o papel de protagonista em uma fotonovela, as novelas impressas que só quem tem mais de vinte e cinco anos já leu ou sabe o que é.

Esse namoro foi longo e, apesar da aprovação familiar com bandeiras tremulantes pró Luís Roberto, um dia terminou.  Foi quando o jovem ex-casal, sem consultar um advogado da vara da família, decidiu, em comum acordo, pela guarda “compartilhada” do filho canino: primeiro dia com a sogra Dani, segundo dia com a sogra Dani e para sempre com a sogra Dani. Por isso, agora tenho dois cachorros machos e uma poupança enorme para garantir a lavagem dos tapetes, onde eles cismam de fazer xixi para marcar território.

Mamífero, como os outros, mas da categoria dos roedores, a coelha Funny Bunny chegou em um Natal. Já vou dizendo que veio sem ser convidada por mim, mas, como sou maluca, logo me tomei de amores. Essa coleciona heterônimos, como Fernando Pessoa, embora não publique poemas e não responda a nenhum deles. Faz-se de surda, "com ouvido moucos" como diriam os portugueses. Finge que as grandes orelhas de nada servem. Foi batizada de Alice, mas o nome não pegou. Virou Tuelha. Eu escolhi Funny Bunny, inspirada na embalagem do saco de ração e na cara da criatura. Mas o melhor nome é o de guerra – Churchill –, escolhido não pelas famosas frases do ministro inglês, mas sim por sua aparência rechonchuda, seu physique du rôle.

Interesseira de marca maior, só aparece porque gosta de ser coçada e tem boca nervosa. Come folhas de cenoura, de brócolis, de couve. Cenoura, beterraba, palmito. Ração. E de sobremesa, sua iguaria predileta são as sandálias Havaianas. Funny mora embaixo da cama da filha caçula e tem os mesmos olhos pretos da sua “mãe” Bebel. Dizem que os cachorros se parecem com seus donos; pelo visto, os roedores, também. Funny não faz jus ao nome e tem outra coisa em comum com a dona: o humor! O que não é exatamente uma qualidade...

Um coelho fêmea não marca território, mas tem TPM quando entra no cio. Não era nada de mais até descobrirmos que as coelhas entram no cio a cada quinze dias... Churchill também é fruto de um relacionamento desfeito. Então, fica a dica de quem tem experiência no assunto: não deixe nenhum namorado dar de presente “coisas fofas que se mexem” no Natal ou nos aniversários.

Bem, chegamos ao gato...  Pois nosso lema agora é: quem tem uma filha tem outra filha. Quem tem uma filha tem outra filha e tem um cachorro. Quem tem uma filha tem outra filha, tem um cachorro e outro cachorro. Quem tem uma filha tem outra filha, tem um cachorro e outro cachorro e uma coelha. Quem tem uma filha tem outra filha, tem um cachorro e outro cachorro e uma coelha e quem sabe um gato. Devido às incompatibilidades já previstas, o felino foi adotado em parceria com os porteiros do prédio, motivo pelo qual atende pela graça de Edifício Dalton e mora na portaria do 232. Ou melhor, mora às vezes, porque, muito enciumada, descobri que ele também recebe afetos dos seguranças da Churrascaria Gaúcha. Edifício Dalton é um malandro carioca de olhos verdes que habita vários corações e come do bom e do melhor.



Obs: A saga das hamsters será um outro capítulo.

702, um apartamento laico

Um estado laico é oficialmente imparcial em relação às questões religiosas, não se opondo a nenhuma crença. Assim é esse apartamento do sétimo andar, onde judeus não praticantes convivem com protestantes, ateus, cristãos, seguidores da doutrina japonesa Perfect Liberty e quem mais chegar. Infelizmente não contamos com moradores ou habitués hindus, siques ou muçulmanos. Mas, como bons cariocas que somos, acendemos de bom grado uma vela para os santos do Candomblé e jogamos flores na virada do ano para Yemanjá.

Foi nesse território democrático religioso que contratamos uma diarista testemunha de Jeová. Glaucia tem vários atributos: passa roupa bem, não desgosta de cachorros e exprime-se em um português corretíssimo, sendo inclusive tão crítica que lhe causa aflição escutar frases em que o locutor – usuário do português – ignora o plural dos verbos quando mais de um sujeito participa da ação. 

Acontece que aqui também trabalha Gabriela Graciosa da Fonseca, que foi ativa participante da Marcha das Vadias, que não é uma religião, mas é???? Ih, não sei explicar direito. Bem, Graciosa adora botar lenha na fogueira e, talvez por isso, perca vários minutos do seu dia criando apelidos, como o que veio a receber a obra Wall Clound produzida com câmaras de ar de pneus. Um detalhe de Wall Cloud seria usado na capa do material educativo em Minas, quando foi instaurada a dúvida, semeado o pomo de discórdia: não podemos escolher essa imagem porque parecem perus. Perus? Como assim? É, parecem pênis! Aí um grupo se reuniu para debater o assunto, dividindo-se em um Fla x Flu. Metade da torcida levantando a bandeira do salame e a outra metade do Maracanã, em questão, defendendo um ponto de vista oposto, mas complementar: que não eram pintos, o close da obra lembrava a genitália feminina. E havia aqueles, que como eu, afirmavam que todo mundo só pensa naquilo, porque eram apenas pneus. Venceu a bancada da tradição e dos bons costumes, e a obra saiu da capa, sendo gentilmente conduzida para uma posição menos visada, no interior da peça gráfica. Mas Graciosa, que já teve sua foto de perfil do Facebook com uma calcinha na cara, não ia deixar barato... Ela imediatamente apelidou Wall Cloud de Piruetas, um casamento de perus + bucetas.

Bem, mas tudo isso foi para chegar ao caso que vem a seguir. Inaugurou a exposição Picasso e a Modernidade Espanhola. Grande sucesso de público e crítica. Junto com as pinturas a óleo cubistas, vieram esboços produzidos para a monumental Guernica. Decidimos fazer uma réplica tridimensional em isopor da Cabeça de cavalo para que os visitantes cegos pudessem perceber o desespero representado na língua pontuda e na boca escancarada do animal. Eu iria para a inauguração em São Paulo e levaria comigo a escultura em isopor.

No corre-corre do meu dia, não tinha tido tempo de fazer as unhas, o que é uma displicência quando se tem uma festa. Por sorte, Glaucia tem mais uma qualidade que ainda não mencionei: ela é boa manicure, faz até unhas decoradas com pequenos desenhos, de modo que me aproveitei desse seu dote. Estávamos nós na seguinte posição: eu, com a mão estendida sob seus cuidados; ela, tirando minhas cutículas com o alicate. Felizmente não sou homem, Glaucia não é barbeiro, e seu instrumento cortante não era uma navalha na minha garganta. Nessa justa hora, Graciosa resolveu lembrar-me de pôr na mala a escultura e não resistiu à tentação de usar o nome em espanhol: Pega o Boceto do Cavalo! – ela disse. Nossa funcionária – testemunha de Jeová – teve um choque, não anafilático, mas sim auditivo, soltou um grito escandalizado, e eu quase fiquei sem um dedo.




sábado, 14 de novembro de 2015

Presentes do meu pai

Lá em casa, trabalhou uma senhora chamada Irene. Sabíamos que vinha algo bom toda vez que Irene começava uma frase com “Tenho para mim...”. Duas das que me lembro: “Tenho para mim que morcego é rato velho que cria asas”. Outra: “Tenho para mim que nessa mata tem barulho de elefante” – aqui o ideal seria colar a foto da pedreira que ocupa os fundos do nosso apartamento. Passei algum tempo tentando imaginar um elefante, com dotes de uma cabra montês campeã olímpica, escalando em rapel o paredão de pedra que, graças ao constante trabalho dos passarinhos de reflorestamento, é pontuado por tufos de grama esparsos e que Irene poeticamente chamava de mata.

O primeiro parágrafo foi necessário para que não seja um plágio, e sim uma homenagem à Irene, a expressão usada para abrir este relato. Tenho para mim que os presentes surgiram logo após Deus arrancar uma costela de Adão e com esta criar Eva. De cinco mil setecentos e setenta e cinco anos atrás, a inauguração da primeira lojinha foi um salto na doutrina criacionista baseada no Gênesis bíblico. E meu pai deve ser um personagem original nessa linha do tempo que chega até as escadas rolantes dos shopping centers e o contemporâneo comércio da internet. Ele simplesmente adora comprar presentes, mas não dá a mínima para ter coisas e gosta menos ainda de recebê-las. Para que a ação lhe dê prazer, ela precisa ser uma via de mão única. E tanto quanto ele ama comer frituras – bife à milanesa, ovo frito, rolinhos primavera e Kentucky Fried Chicken (que o paladar dele tem certeza de que, sem sombra de dúvida, é um manjar dos deuses do Olimpo), Zequinha ama os vendedores, sem distinção de credo ou geografia.

Avenida Rio Branco, 109. De lá vinham, dentro de uma pasta de executivo modelo 007, cigarrinhos de chocolate ao leite da marca Pan, quando fumar era fino, e minha avó, com suas unhas impecáveis pintadas de esmalte vermelho escarlate, usava piteiras. Minha mãe recebia charutos de massa marzipã (pasta de amêndoas, açúcar e castanha de caju) cobertos com chocolate amargo da Kopenhagen. Também recebíamos moedas de chocolate, talvez para estimular nossa educação financeira.

Mas, como já disse, Dr. José é magnânimo, não existe hierarquia no afeto que sente pelos comerciantes, e os camelôs farejaram isso. Pulamos anos, agora os filhos já têm filhas e, portanto, meu pai já é avô. Reparem que não uso o plural masculino, porque a última geração é formada apenas por pererecas (mas esse é um assunto para outro texto). Antes de a polícia cometer o perjúrio de isolar os vendedores de rua no Camelódromo, um se instalou em frente à saída do prédio de escritórios do número 109. Esse profissional do varejo, com muito tino comercial, a cada semana ou quinzena trocava a mercadoria que vendia. Foi assim que ganhamos os presentes mais úteis que jamais teríamos imaginado adquirir. Por exemplo, uma noite papai chegou com umas cinco chaves de roda em cruz que servem para desaparafusar pneus, embora eu nunca tenha sabido trocar um. As netas ainda ganham agendas ilustradas com personagens de desenhos animados, embora uma já esteja terminando a universidade. Não me lembro de ter recebido aquela raquete elétrica de matar mosquito, que talvez tivesse sido de grande serventia em tempos de Dengue, mas minha memória registrou as lanternas de diferentes modelos e funções. Minha mãe também lembrou, num desses domingos, das cartelas de pilhas.

Todo mundo quer ver seu progenitor feliz, e eu estou longe de ser diferente, de modo que só pude alegrar-me quando soube que os ambulantes foram pouco a pouco escapando do confinamento do Mercado Popular da Uruguaiana. Meu português não deu conta de compreender a definição que encontrei no próprio site do Mercado Popular da Uruguaiana se autointitulando “o mais famoso centro comercial informal carioca”. Caro leitor, defina o termo "informal" usando um sinônimo que seja ok para o fisco. Valendo dez pontos! Bem, como papai não é advogado tributarista, tampouco advogado da União, não cabe a ele intervir nessa seara.

E foi assim que, num piscar de olhos, a viela que dá na entrada do metrô da Uruguaiana estava tomada pelos mercadores apregoando suas bugigangas. Numa dessas barraquinhas, um senhor distinto anunciava camas de cachorros, muito bem-acabadas por sinal, a preços sedutores. Essa compra beneficiou minhas irmãs de quatro patas, as duas cadelas labradoras, que hoje se refastelam em amplos colchões forrados com ossinhos coloridos. E devo confessar que, tendo nas veias o sangue paterno, não resisti e também virei freguesa. Meus dois filhos caninos tiram boas sonecas em seus colchonetes.

Agora chegamos à mais nova aquisição da série "camelôs do papai": de uma caixa azul, onde (aposto!) se lê Made in China, saiu um pau de selfie. Um dos cinco presentes que formaram o kit comemorativo, que ele montou para minha mãe, das cinco décadas de casamento, das bodas de ouro do casal. O regalo foi de cara enjeitado por D. Ana, mas papai, como um bom advogado que é, tem sempre um argumento: "Vai ser igual ao ipad, Ana, que você falou que não sabia por que precisava de um e...". Então, provavelmente, num futuro próximo, teremos vários selfies familiares usando esse utensílio que não é o último grito da moda, mas só recentemente chegou ao comércio de rua das imediações do escritório da Avenida Rio Branco, segunda casa do Dr. José.









segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Encontros

Nem sempre o príncipe vem montado em um corcel branco... Aliás, eu diria que, em toda a minha vida, o único corcel que conheci era uma marca de carro da Ford com nome de cavalo e que aparecia em uma propaganda cuja trilha sonora era do grupo de rock inglês Emerson, Lake and Palmer. MM, meu HD externo, pediu para acrescentar no verbete “Príncipes são iguais aos unicórnios, pouca gente encontrou unzinho pela frente. E quem pegou deve ter achado um tédio só.”  na hora de aposentar o Antônio Houaiss...

Qual será o motivo de resistir, ainda, no imaginário de mulheres adultas, a figura do príncipe encantado? O Reino Unido não tem ajudado muito nesse quesito: Charles é um exemplar que veio bichado de berço e deveria ter sido recolhido em um recall há décadas. William também já está ficando careca. Albert, do principado do Mônaco, nunca despertou suspiros, mesmo sendo filho de quem era: da inesquecível Grace Kelly. Naruhito do Japão? Pula também. A fada do encantamento faltou ao batizado de todos. Picolés de chuchu legítimos.

Mas, há dois séculos, tivemos um modelo de príncipe versão trópicos, que esse, sim, valia a pena! Quem experimentou aprovou, pelo menos é o que dizem por aí. Sua alteza real, legítimo descendente das mais nobres dinastias monárquicas europeias, foi batizado com nada menos que dezoito nomes: D. Pedro de Alcântara (...) de Bragança e Bourbon, mas assinava suas confissões amorosas com o singelo “O DEMONÃO”. 

GD conheceu um rapaz na internet discada. Hoje conhecer pretendentes on-line é moeda corrente, mas isso foi antes do falecido (ou devo dizer aposentado?) Orkut, em uma sala de bate-papo na UOL. Jogaram muita conversa fora, ficaram quase seis meses nessa. Depois de um semestre, provavelmente com pontuação necessária, de ambos os lados, para evoluírem à segunda fase: trocaram fotos. Ele era alto, louro e surfista. Ela era morena e gostava de samba. Decorrido mais um punhado de dias, não sei dizer quantos, antes de finalmente marcarem o primeiro date. Era uma dupla jovem, com pouco passado e muito futuro pela frente. 

Analisando friamente, as redes sociais ressuscitam a figura do amigo imaginário da nossa primeira infância, só que agora já somos grandinhos... Bem, foi só uma divagação. 

Tem gente que, quando acha um bom interlocutor do outro lado, prefere manter o personagem vivo a arriscar encontrá-lo em carne e osso. Muitas vezes o cavaleiro dos sonhos não se enquadra no figurino desenhado pela modista da nossa imaginação, e aí é uma lástima. Lembrei daqueles programas de auditório em que o candidato-vítima está isolado em uma cabine e precisa responder: você troca mil reais por uma bala Juquinha? Na vida é assim, nunca sabemos se vale a pena trocar. Você troca um sonho por...? Viver é um risco, uma aventura ou desventuras em série.

Escrever em português é uma droga. Falar é muito mais simples. Todo mundo pode falar ao mesmo tempo, sem regras. Basta sentar em uma mesa de botequim para comprovar. Só que no papel tem ordem. Porém, não posso evitar interromper a mim mesma com outros causos que me vêm à memória. Minha vizinha, MM, certa vez relatou que seu primeiro encontro foi em um ponto de ônibus, quando ela ainda tinha franja e gostava de mascar chicletes Ping-Pong. Ela e o rapaz estavam esperando a condução e ficaram ali se olhando, naquele chove-não-molha de pré-adolescente, até um ter coragem de puxar conversa. Ela perguntou o nome dele: Ben-Hur – ele respondeu. E o 570 chegou! Hoje, refletindo a respeito, ela desabafou: “Eu devia ter entendido nessa hora que a minha vida amorosa estava fadada ao fracasso!”.

Uma noite, saindo da sala virtual, M convidou GD para sair, e ela topou. Ele veio buscá-la num carro que não era um corcel e, quando saltou para abrir a porta, uma fita métrica invisível, de cara, denunciou ser o príncipe (não tão encantado) vários centímetros mais baixo do que a foto fazia parecer.

D Pedro II, primeiro monarca brasileiro, nascido deste lado do Atlântico, não tinha a pegada do pai. O pobre passou por situação bem mais drástica que essa. Em priscas eras, quando o Photoshop nem ousava existir, mandaram para o nosso infante um relicário com um retrato de Teresa Cristina Maria de Bourbon-Duas Sicílias, filha caçula do Duque da Calábria. Os pintores capricharam no desenho, mentiram um pouco e ocultaram outro tanto. Mas é público e notório que, ao conhecer a esposa, com quem casara por procuração, D. Pedro II teria cogitado pedir a anulação do matrimônio por conta dos minguados atributos físicos da moça. A lenda diz até que ele até chorou, e foi Dadama, sua ama-de-leite, que o convenceu a manter o contratado porque a união era uma questão de Estado. E não me venha dizer que agora entendeu aquele olhar melancólico das fotos do nosso imperador barbudo, porque no meio do caminho teve a Condessa de Barral. E mais não conto! Os curiosos podem pesquisar sobre essa pulada de cerca na Biblioteca Nacional.

Juro que não vou mais postergar esse encontro, porque já muito me atrasei nesse relato – e isso não é um testamento, apenas um primeiro capítulo. Bem, GD entrou no bólido (assim eram chamados os carros velozes no tempo da minha avó, não no presente que estamos, mas uso para dar mais graça ao texto), e foram comer uma pizza. O rapaz estava bem animado porque soltou: “Você é muito mais bonita pessoalmente. Na foto tinha nariz de batata”. Imagino que ele deva ter achado que fazia um elogio, mas, de certo, o herói romântico Cyrano de Bergerac consideraria tal abordagem um verdadeiro desastre. Mesmo assim, a noite foi agradável e, antes de a moça sair do carro, rolou um beijo. Ela achou gostoso, mas ele era baixo...

Nessa época, GD fazia uns bicos. A mãe não facilitava, e a mesada nem pagava o ir e vir de buzunga e o lanche. O ditado diz que beleza não põe mesa. De certo, mas paga o restaurante. A moça bem-apessoada tirava uma grana trabalhando como promotora e, naquela semana, tinha conseguido uma divulgação da cerveja Cintra no supermercado Mundial de Copacabana. Minha prima Miriam, moradora do bairro, só chama o tal supermercado de Imundial! 

Cintra não é nenhuma Brahma ou Skol, não é lá muito saborosa, tampouco encorpada, e o sujeito precisa beber um bocado para dar onda. O que não era exatamente uma questão, porque era “de grátis”. E, devido a essa grande qualidade, já que de graça até injeção na testa, o balcão convertia-se em uma sucursal do inferno. Era um amontoado de gente, que mal dava para piscar. Por isso a moça, enquanto enchia os copos, para que o dia ficasse mais divertido, bebia também. E aí, no intervalo, um pouco mais pra lá do que pra cá, ia para um pequeno vestiário feminino, abria umas caixas, estendia o papelão no chão – checando antes se esse, sim, era encorpado – e tirava uma soneca. Lembrando que estamos no Imundial!!!

Estava a princesa desta história, GD, deitada eternamente em berço esplêndido, tendo na fuça o pé cascudo de uma funcionária do supermercado, que roncava no papelão à sua frente, quando tocou o celular. Em seu campo de visão, resultado da equação calça apertada/soneca, um trio de mulheres pagava cofrinho. No celular, o príncipe já convertido em abóbora. 

Mulher é um bicho estranho que tem regras que não fazem muito sentido. Ou melhor, sentido algum. Essa moça ficava entediada quando o bonitão ligava no dia seguinte. Como assim deu um beijinho ontem e já  se achando?! Sem empolgação, desconversou e voltou para os braços de Morfeu. Tinha só meia hora de intervalo e não pretendia desperdiçá-la.

Se a história terminasse aqui, não teria romance, mas vamos em frente. Hoje, amanhã, depois de amanhã. O fato é que três dias se passaram, e o telefone da nossa protagonista não tocou. Opa! Permanecendo o silêncio nos dias subsequentes, entra a lógica sem lógica feminina. Pera lá, quer dizer que ele não me quer? Parece a lógica do ex. Ninguém quer ex, mas basta uma sirigaita se engraçar com ele, que 90% da população feminina volta lá e faz xixi no poste para demarcar território. 

A moça, agora indignada, tomou a iniciativa e discou o número do varão. Do outro lado, o moço atendeu e perguntou: “Quem  falando?”. E ela: “Quem  falando? Como assim? Sou eu!” Aí o cara mandou muito e respondeu na lata: “Eu te dei o maior beijo gostoso e, no dia seguinte, você me esnobou. Deletei o número”. E então? Um tempo depois, GD teve um upgrade na carreira e foi transferida para o Extra de Vila Isabel. Mas aposto que não é isso que vocês estão se perguntando. Rolou um happy end? “Of course my horse!” Na semana passada mesmo, estive na piscina do Olympico Club, na Pompeu Loureiro, em Copacabana. No chiquerérrimo clube, rolava um churrascão regado a muito cerveja, da boa, e os anfitriões eram GD e seu príncipe M – não mais virtual – que hoje têm um casal de filhos. 





O Toco


Toco, substantivo masculino. Parte do tronco da árvore que permanece enterrada depois que a árvore foi cortada. Expressão “Levar um toco”, ser dispensado(a) pelo namorado(a).

Tem gente que de um limão, faz uma limonada. Sophie Calle, a artista francesa conta:

“Recebi uma carta de rompimento.
E não soube respondê-la.
Era como se ela não me fosse destinada.
Ela terminava com as seguintes palavras: Prenez soin de vous (Te cuida)”.

A artista levou a recomendação “Cuide de você” ao pé da letra. Convidou 107 mulheres, para interpretar a carta. Analisá-la, comentá-la, esgotá-la, entendê-la em seu lugar e responderem por ela.  Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper. Uma maneira de cuidar de si. Do toco Sophie Calle fez jarras de limonadas, ou melhor, de caipirinhas... As repostas transformaram-se em uma grande exposição que rodou o mundo.

Valquiria Prates, colega paulista, trabalhou na exposição. Ela contou que a equipe de educadores precisava oferecer lenços de papel para todas as mulheres que vinham a mostra reviver o toco que haviam levado algum dia. Era uma catarse feminina. Aposto que Aristóteles não previu nada semelhante em sua poética que trata da tragédia. Mas mesmo não se encaixando exatamente em um gênero teatral previsto pelo filósofo grego, a cena do ir e vir de mulheres de olhos vermelhos chorosos atraiu espectadores.  A enxurrada do mulherio atiçou a curiosidade de um grupo de pedreiros que nunca antes havia entrado em uma galeria. Os operários vieram conferir e já chegaram perguntando se ali era a exposição da chifruda.

Algumas mulheres tem um perfil mais agressivo, e não engolem o toco a seco. A dona de uma renomada editora carioca, melhor não citar nomes, uma vez levou um tchau na véspera do Natal e por email. Tem certas coisas que não se fazem! Bye Bye so long por email é falta de cortesia. Pior só se fosse por WhatsApp. Cadê aqueles homens que até ontem andavam de chapéu no bonde?

Acontece que o autor da mensagem talvez não tenha se lembrado, no momento de clicar no send, que por acaso, ele era também autor do livro que estava sendo rodado e seria lançado pela editora da não mais namorada em questão. Como eu sei dessa história? Bem, porque eu estive na festa do lançamento. Festão no salão do Cordão da Bola Preta, quartel general do Carnaval. Alias no antigo salão, que era ali na Cinelândia, perto do Theatro Municipal, porque a os foliões não pagaram o condomínio e foram despejados de lá. O patrocinador a cachaça 51. Tinha também feijoada e música. Esqueci de contar que o livro era sobre samba. Lá todo mundo e mais alguém. Carioca é assim, adora um ajuntamento. Estavam jornalistas, compositores, cantores, famosos e anônimos, mas no geral ávidos leitores. Só quem não estava, quem faltou foi o... Livro! A ex com o toco entalado na garganta, simplesmente não imprimiu os exemplares a tempo para o lançamento.

Há respostas arquitetadas e outras mais espontâneas. Sueli vira e mexe saía com um cara. Ele aparecia, rolava um sexo e rock'n'roll e depois o bonitão ia embora. Um dia os dois estavam juntos, tinham acabado de namorar e, nesse momento mais inoportuno possível, o moço resolveu ser honesto: “Você sabe que não vamos nunca ficar juntos, né?!” A menina que só tinha bebido uma cerveja não deu conta e vomitou no colo dele. Depois ligou para as amigas e anunciou: “Pronto não falta mais nada para eu me tornar uma personagem do Almodovar!”

Na escola da minha caçula adotaram “Senhora” de José de Alencar. Putzgrila, na boa, José de Alencar é chato pra burro! Nem o fundador da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis, que o escolheu para patrono de sua cadeira de número 23, leria José de Alencar hoje em dia. Acho que vou sugerir trocar a leitura do livro do século XIX pelo filme “Mulheres a beira de um ataque de nervos” do Almodovar. Aurélia Camargo (Senhora) por Carmen Maura (Pepa).

MM precavida quando começa uma relação, já grava logo o CD de músicas de fossa. Melhor estar com o playlist já programado, porque vai que o chute na bunda pede uma trilha sonora imediata!

Homem também leva toco, é claro! Quem não viu “500 dias com ela”? Quase dois anos namorando e logo depois do rompimento a fila da amada já andou. E não vale dizer que isso é coisa de cinema!

E quem nunca levou um toco, que levante a mão. O bom de não estar invicto é que não se perde o rebolado no segundo, nem nos subsequentes. Meu primeiro fora foi com doze anos. Não era nada sério, mas o resultado deixou uma marca cafona no meu currículo. De coração partido eu botei na vitrola o long play, ou melhor o disco de vinil de uma só faixa por lado (nos  anos 80 disco ainda tinha lado A e lado B, era frente e verso), com a música “Léo e Bia” do Oswaldo Montenegro, umas vinte vezes. Deitava no sofá, fazia a cena de infeliz deitada no sofá por uns três minutos. Acabava a música eu levantava, pegava a agulha da vitrola punha no inicio do disco e me jogava no sofá novamente. Era quase um abdominal em câmera lenta.

Vinte e poucos anos depois levei um “não vai dar para rolar mais” por mensagem de texto. Duro! O quase namorado encontrou com a antiga namorada dele e o passado foi mais contundente que o futuro. Acontece. Fazer o quê?!

Patricia teve um pretendente que apenas sumiu. Nos dias de hoje sabemos onde a pessoa está. Ele estava on line nas redes sociais e na comunicação virtual do telefone, mas apenas ficou mudo. Não respondia mais. Simples assim. Será que o cara tinha morrido e deixado o Facebook aberto? Ou ele achou que nem precisava avisar que tinha ido embora? Sabe aqueles convidados que estão com sono e dizem não querem interromper a festa dos outros e por isso saem de fininho sem se despedir? Rola com o salão cheio, mas festa a dois não dá para sair sem ser notado. Eu ainda acho que relacionamento é igual a restaurante, não é recomendável ir embora sem acertar a conta. Patricia pensou que talvez fosse mais fácil escrever várias frases para que o cavalheiro escolhesse uma e a respondesse. O começo era sempre igual, assim para não dificultar. Inspirou-se nas múltiplas escolhas do ENEM, mas esqueceu de desenhar os quadradinhos onde ele deveria marcar um X. MM que entende que macho que gosta de Telecine Action e Pizza Hut a avisou que não ia dar certo, porque havia dado doze opções e o máximo desse formato de teste são cinco. 

As opções:
  1. Não quero mais falar com você porque sou apaixonado por outra mulher.
  2. Não quero mais falar com você, porque você anda rápido. (Embora ela pudesse andar mais devagar).
  3. Não quero mais falar com você porque sou gay. (Não acreditava nessa, mas ele podia tentar).
  4. Não quero mais falar com você porque prefiro mulheres burras.
  5. Não quero mais falar com você porque você não tem tatuagem.
  6. Não quero mais falar com você porque você gostou de mim e fiquei com medo.
  7. Não quero mais falar com você porque durante todo esse tempo estive flertando com outras mulheres. (Torceu para não ser essa a resposta).
  8. Não quero mais falar com você porque tenho uma doença incurável. (Não, parece muito novela da Globo).
  9. Não quero mais falar com você porque você me assusta e apesar de saber respirar não quero perder o ar.
  10. Não quero mais falar com você porque você não gosta de cerveja e não sabe quem é a bola. (Talvez essa fosse uma razão justa)
  11.  Não quero mais falar com você porque enquanto não arrumar a minha vida não quero fazer planos. (Isso é sempre mentira).
  12. Não quero mais falar com você porque simplesmente não sinto nada pela sua pessoa (Essa seria a mais dura de todas, mas ela corajosamente deu-lhe a opção de a nocautear). 

No final deixou uma observação: Se nenhuma delas servir, posso pensar em muitas outras.


O lado B

E os tocos que a gente dá?!  ...