segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Zoológico

Tenho duas filhas. Uma jogou os dados e andou cinco casas no tabuleiro, pulando olimpicamente esta fase negra, mais maligna que a peste da Europa: a adolescência. Mas ninguém ganha duas vezes na loteria. A caçula, por sua vez, parece um suco Tang – um concentrado teen que venho diluindo aos poucos, porque ninguém é de ferro. Um dia, no passado, quis ter quatro meninas. Mas, como me falta a razão, o destino foi bondoso e me poupou da multiplicação.

Também tenho um Dachshund batizado pelo ex-marido de Joaquim, que ganhou a opção dos prenomes: Quincas ou Joacão. Joaquim é uma homenagem ao grande Joaquim Maria Machado de Assis é claro. Duvido que o escritor acadêmico, tão solene como era, tenha ficado honrado com a lembrança. Mas esse não foi o único equívoco...  Cássio, o ex, não faz parte da categoria de seres humanos tarada, ou pelo menos com apreço, por animais domésticos. Já eu e suas filhas nascemos com pulgas no sangue. Por isso, a batalha para que um cachorro entrasse pela porta de casa foi árdua. Ao fim e ao cabo, ninguém venceu. Mas só chegaríamos a essa conclusão tarde demais.

O primeiro erro foi estético.  Adoro Boxers, Buldogues, Boston Terrier e Pugs, raças de cara amassada. Talvez no inconsciente, ache que justamente o focinho, a parte da anatomia que define os cães, não lhes caia bem.  E aí veio um Dachshund mais narigudo que o meu avô materno – e olhem que o vovô Beto tinha uma nareba de fazer a festa de qualquer caricaturista! Como ganhamos o cabo-de-guerra e conquistamos o direito de ter um cão, o ex determinou a raça.

O novo integrante da família, que veio habitar nossa maison com suas quatro patas e seu focinho pontudo, de cara mostrou-se uma opção pouco adequada para quem tinha uma filha pequena. Bassets não são nada tolerantes e não gostam de crianças. E, para piorar, bebê Beloca, a mais nova, tinha – e tem até hoje – uma forma única de acarinhar os animais. Ela os aperta em excesso, sendo igualmente recompensada. Dachshunds não são cães pequenos, como pensei, apenas têm patas curtas. Mas a mordedura é de tubarão. Assim, quando Joacão atacava, assistíamos a uma cena de filme de terror, em que o ketchup era sangue de verdade... Em dois anos, nossa caçula tomou quatro vacinas antirrábicas, isso porque a injeção tem validade de seis meses. Quando a dose estava para vencer, já íamos lembrando-a para que ficasse mais precavida, o que, é óbvio, não adiantava de nada. A enfermeira do posto médico, que devia ter um humor semelhante ao da nossa família, uma das vezes comentou: “Menina, tu é gostosa pra cachorro!”.

Quem é distraído e tem coração mole sempre pode ceder e acolher mais um membro na família. GD, minha filósofa de plantão, tem essa linda máxima: “O que é um punzinho para quem está todo cagado?”. Foi assim que abri a porta para mais um filho, um cão da raça Pug que atende pela alcunha de Zé. Quando Zé faz besteira, o nome ganha pompa: “Quem fez xixi aqui, Dr. José?”.

Pug Zé é "filho" da minha primogênita e do namorado Luís Roberto Graça Couto. Sua primeira infância foi passada em Botafogo, onde deveria ter vivido toda a sua vida. Mas ele é fruto de um relacionamento desfeito, como o de tantos outros jovens da geração que nasceu depois dos anos 1990 – e principalmente no século XXI –, quando sequer os aparelhos eletrônicos duram mais do que um ano, nem os lençóis resistem a qualidade “branco total” dos sabões em pó e os relacionamentos terminam por mensagens de texto.

Zé, como todos os Pugs, é enrugado (completamente avesso a estética do botox), ronca à vera (culpa do focinho achatado que provoca gracinhas do tipo “bateu de frente”), tem pelo macio e cheiro de Cheetos. Já seu “papai” Luís Roberto é um rapaz moreno, bonitão, com farta cabeleira negra, características que, unidas ao nome duplo com esse R sonoro de RRRRoberto, lhe renderiam o papel de protagonista em uma fotonovela, as novelas impressas que só quem tem mais de vinte e cinco anos já leu ou sabe o que é.

Esse namoro foi longo e, apesar da aprovação familiar com bandeiras tremulantes pró Luís Roberto, um dia terminou.  Foi quando o jovem ex-casal, sem consultar um advogado da vara da família, decidiu, em comum acordo, pela guarda “compartilhada” do filho canino: primeiro dia com a sogra Dani, segundo dia com a sogra Dani e para sempre com a sogra Dani. Por isso, agora tenho dois cachorros machos e uma poupança enorme para garantir a lavagem dos tapetes, onde eles cismam de fazer xixi para marcar território.

Mamífero, como os outros, mas da categoria dos roedores, a coelha Funny Bunny chegou em um Natal. Já vou dizendo que veio sem ser convidada por mim, mas, como sou maluca, logo me tomei de amores. Essa coleciona heterônimos, como Fernando Pessoa, embora não publique poemas e não responda a nenhum deles. Faz-se de surda, "com ouvido moucos" como diriam os portugueses. Finge que as grandes orelhas de nada servem. Foi batizada de Alice, mas o nome não pegou. Virou Tuelha. Eu escolhi Funny Bunny, inspirada na embalagem do saco de ração e na cara da criatura. Mas o melhor nome é o de guerra – Churchill –, escolhido não pelas famosas frases do ministro inglês, mas sim por sua aparência rechonchuda, seu physique du rôle.

Interesseira de marca maior, só aparece porque gosta de ser coçada e tem boca nervosa. Come folhas de cenoura, de brócolis, de couve. Cenoura, beterraba, palmito. Ração. E de sobremesa, sua iguaria predileta são as sandálias Havaianas. Funny mora embaixo da cama da filha caçula e tem os mesmos olhos pretos da sua “mãe” Bebel. Dizem que os cachorros se parecem com seus donos; pelo visto, os roedores, também. Funny não faz jus ao nome e tem outra coisa em comum com a dona: o humor! O que não é exatamente uma qualidade...

Um coelho fêmea não marca território, mas tem TPM quando entra no cio. Não era nada de mais até descobrirmos que as coelhas entram no cio a cada quinze dias... Churchill também é fruto de um relacionamento desfeito. Então, fica a dica de quem tem experiência no assunto: não deixe nenhum namorado dar de presente “coisas fofas que se mexem” no Natal ou nos aniversários.

Bem, chegamos ao gato...  Pois nosso lema agora é: quem tem uma filha tem outra filha. Quem tem uma filha tem outra filha e tem um cachorro. Quem tem uma filha tem outra filha, tem um cachorro e outro cachorro. Quem tem uma filha tem outra filha, tem um cachorro e outro cachorro e uma coelha. Quem tem uma filha tem outra filha, tem um cachorro e outro cachorro e uma coelha e quem sabe um gato. Devido às incompatibilidades já previstas, o felino foi adotado em parceria com os porteiros do prédio, motivo pelo qual atende pela graça de Edifício Dalton e mora na portaria do 232. Ou melhor, mora às vezes, porque, muito enciumada, descobri que ele também recebe afetos dos seguranças da Churrascaria Gaúcha. Edifício Dalton é um malandro carioca de olhos verdes que habita vários corações e come do bom e do melhor.



Obs: A saga das hamsters será um outro capítulo.

Um comentário:

  1. Depois dos hamsters, as pessoas precisam saber que além das filhas, dos cachorros, do coelho, do gato, papagaio e periquito, você abriga 10 mulheres no horário comercial!

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