Nem sempre o príncipe vem montado em
um corcel branco... Aliás, eu diria que, em toda a minha vida, o único corcel
que conheci era uma marca de carro da Ford com nome de cavalo e que aparecia em
uma propaganda cuja trilha sonora era do grupo de rock inglês Emerson, Lake and
Palmer. MM, meu HD externo, pediu para acrescentar no verbete “Príncipes são
iguais aos unicórnios, pouca gente encontrou unzinho pela frente. E quem pegou
deve ter achado um tédio só.” Tá na hora de aposentar o
Antônio Houaiss...
Qual será o motivo
de resistir, ainda, no imaginário de mulheres adultas, a figura do príncipe
encantado? O Reino Unido não tem ajudado muito nesse quesito: Charles é um
exemplar que veio bichado de berço e deveria ter sido recolhido em um recall há
décadas. William também já está ficando careca. Albert, do principado do
Mônaco, nunca despertou suspiros, mesmo sendo filho de quem era: da
inesquecível Grace Kelly. Naruhito do Japão? Pula também. A fada do
encantamento faltou ao batizado de todos. Picolés de chuchu legítimos.
Mas, há dois
séculos, tivemos um modelo de príncipe versão trópicos, que esse, sim, valia a
pena! Quem experimentou aprovou, pelo menos é o que dizem por aí. Sua alteza
real, legítimo descendente das mais nobres dinastias monárquicas europeias, foi
batizado com nada menos que dezoito nomes: D. Pedro de Alcântara (...) de
Bragança e Bourbon, mas assinava suas confissões amorosas com o singelo “O
DEMONÃO”.
GD conheceu um
rapaz na internet discada. Hoje conhecer pretendentes on-line é moeda corrente,
mas isso foi antes do falecido (ou devo dizer aposentado?) Orkut, em uma sala
de bate-papo na UOL. Jogaram muita conversa fora, ficaram quase seis meses
nessa. Depois de um semestre, provavelmente com pontuação necessária, de ambos
os lados, para evoluírem à segunda fase: trocaram fotos. Ele era alto, louro e
surfista. Ela era morena e gostava de samba. Decorrido mais um punhado de dias,
não sei dizer quantos, antes de finalmente marcarem o primeiro date.
Era uma dupla jovem, com pouco passado e muito futuro pela frente.
Analisando
friamente, as redes sociais ressuscitam a figura do amigo imaginário da nossa
primeira infância, só que agora já somos grandinhos... Bem, foi só uma
divagação.
Tem gente que,
quando acha um bom interlocutor do outro lado, prefere manter o personagem vivo
a arriscar encontrá-lo em carne e osso. Muitas vezes o cavaleiro dos sonhos não
se enquadra no figurino desenhado pela modista da nossa imaginação, e aí é uma
lástima. Lembrei daqueles programas de auditório em que o candidato-vítima está
isolado em uma cabine e precisa responder: você troca mil reais por uma bala Juquinha?
Na vida é assim, nunca sabemos se vale a pena trocar. Você troca um sonho
por...? Viver é um risco, uma aventura ou desventuras em série.
Escrever em
português é uma droga. Falar é muito mais simples. Todo mundo pode falar ao
mesmo tempo, sem regras. Basta sentar em uma mesa de botequim para comprovar.
Só que no papel tem ordem. Porém, não posso evitar interromper a mim mesma com
outros causos que me vêm à memória. Minha vizinha, MM, certa vez relatou que
seu primeiro encontro foi em um ponto de ônibus, quando ela ainda tinha franja
e gostava de mascar chicletes Ping-Pong. Ela e o rapaz estavam esperando a
condução e ficaram ali se olhando, naquele chove-não-molha de pré-adolescente,
até um ter coragem de puxar conversa. Ela perguntou o nome dele: Ben-Hur – ele
respondeu. E o 570 chegou! Hoje, refletindo a respeito, ela desabafou: “Eu
devia ter entendido nessa hora que a minha vida amorosa estava fadada ao
fracasso!”.
Uma noite, saindo
da sala virtual, M convidou GD para sair, e ela topou. Ele veio buscá-la num
carro que não era um corcel e, quando saltou para abrir a porta, uma fita
métrica invisível, de cara, denunciou ser o príncipe (não tão encantado) vários
centímetros mais baixo do que a foto fazia parecer.
D Pedro II,
primeiro monarca brasileiro, nascido deste lado do Atlântico, não tinha a
pegada do pai. O pobre passou por situação bem mais drástica que essa. Em
priscas eras, quando o Photoshop nem ousava existir, mandaram para o nosso
infante um relicário com um retrato de Teresa Cristina Maria de Bourbon-Duas
Sicílias, filha caçula do Duque da Calábria. Os pintores capricharam no
desenho, mentiram um pouco e ocultaram outro tanto. Mas é público e notório
que, ao conhecer a esposa, com quem casara por procuração, D. Pedro II teria
cogitado pedir a anulação do matrimônio por conta dos minguados atributos
físicos da moça. A lenda diz até que ele até chorou, e foi Dadama, sua
ama-de-leite, que o convenceu a manter o contratado porque a união era uma
questão de Estado. E não me venha dizer que agora entendeu aquele olhar
melancólico das fotos do nosso imperador barbudo, porque no meio do caminho
teve a Condessa de Barral. E mais não conto! Os curiosos podem pesquisar sobre
essa pulada de cerca na Biblioteca Nacional.
Juro que não vou
mais postergar esse encontro, porque já muito me atrasei nesse relato – e isso
não é um testamento, apenas um primeiro capítulo. Bem, GD entrou no
bólido (assim eram chamados os carros velozes no tempo da minha avó, não no
presente que estamos, mas uso para dar mais graça ao texto), e foram comer uma
pizza. O rapaz estava bem animado porque soltou: “Você é muito mais bonita
pessoalmente. Na foto tinha nariz de batata”. Imagino que ele deva ter achado
que fazia um elogio, mas, de certo, o herói romântico Cyrano de Bergerac
consideraria tal abordagem um verdadeiro desastre. Mesmo assim, a noite foi
agradável e, antes de a moça sair do carro, rolou um beijo. Ela achou gostoso,
mas ele era baixo...
Nessa época, GD
fazia uns bicos. A mãe não facilitava, e a mesada nem pagava o ir e vir de
buzunga e o lanche. O ditado diz que beleza não põe mesa. De certo, mas paga o
restaurante. A moça bem-apessoada tirava uma grana trabalhando como promotora
e, naquela semana, tinha conseguido uma divulgação da cerveja Cintra no
supermercado Mundial de Copacabana. Minha prima Miriam, moradora do bairro, só
chama o tal supermercado de Imundial!
Cintra não é
nenhuma Brahma ou Skol, não é lá muito saborosa, tampouco encorpada, e o
sujeito precisa beber um bocado para dar onda. O que não era exatamente uma
questão, porque era “de grátis”. E, devido a essa grande qualidade, já que de
graça até injeção na testa, o balcão convertia-se em uma sucursal do inferno.
Era um amontoado de gente, que mal dava para piscar. Por isso a moça, enquanto
enchia os copos, para que o dia ficasse mais divertido, bebia também. E aí, no
intervalo, um pouco mais pra lá do que pra cá,
ia para um pequeno vestiário feminino, abria umas caixas, estendia o papelão no
chão – checando antes se esse, sim, era encorpado – e tirava uma soneca.
Lembrando que estamos no Imundial!!!
Estava a princesa
desta história, GD, deitada eternamente em berço esplêndido, tendo na fuça o pé
cascudo de uma funcionária do supermercado, que roncava no papelão à sua
frente, quando tocou o celular. Em seu campo de visão, resultado da equação
calça apertada/soneca, um trio de mulheres pagava cofrinho. No celular, o
príncipe já convertido em abóbora.
Mulher é um bicho
estranho que tem regras que não fazem muito sentido. Ou melhor, sentido algum.
Essa moça ficava entediada quando o bonitão ligava no dia seguinte. Como assim
deu um beijinho ontem e já tá se achando?! Sem empolgação,
desconversou e voltou para os braços de Morfeu. Tinha só meia hora de intervalo
e não pretendia desperdiçá-la.
Se a história
terminasse aqui, não teria romance, mas vamos em frente. Hoje, amanhã, depois
de amanhã. O fato é que três dias se passaram, e o telefone da nossa protagonista
não tocou. Opa! Permanecendo o silêncio nos dias subsequentes, entra a lógica
sem lógica feminina. Pera lá, quer dizer que ele não me quer? Parece a lógica
do ex. Ninguém quer ex, mas basta uma sirigaita se engraçar com ele, que 90% da
população feminina volta lá e faz xixi no poste para demarcar território.
A moça, agora
indignada, tomou a iniciativa e discou o número do varão. Do outro lado, o moço
atendeu e perguntou: “Quem tá falando?”. E ela: “Quem tá falando?
Como assim? Sou eu!” Aí o cara mandou muito e respondeu na lata: “Eu te dei o
maior beijo gostoso e, no dia seguinte, você me esnobou. Deletei o número”. E
então? Um tempo depois, GD teve um upgrade na carreira e foi
transferida para o Extra de Vila Isabel. Mas aposto que não é isso que vocês
estão se perguntando. Rolou um happy end? “Of course my horse!” Na
semana passada mesmo, estive na piscina do Olympico Club, na Pompeu Loureiro,
em Copacabana. No chiquerérrimo clube, rolava um churrascão regado a muito
cerveja, da boa, e os anfitriões eram GD e seu príncipe M – não mais virtual –
que hoje têm um casal de filhos.
Textos deliciosos. Parece uma conversa ao pé do ouvido. PARABÉNS!
ResponderExcluirHAHAHAHAHA, isso merece virar um curta estrelando GD e M, os originais
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